Último mergulho

14:20




O silêncio matou o meu espírito, e fez de mim uma estatística. Se estás a ler a minha história, então eu faço parte da taxa que torna Moçambique o país com mais suicídios em África.

Tudo começou muito cedo. Nunca senti me uma pessoa completa e ao contrário de muita gente que tem reclamado enquanto tem quase tudo, à mim faltou-me tudo durante a minha adolescência.
Chamo me Anastácia, tenho 22 anos de idade e venho de uma família pobre. O meu falecido pai foi guarda-nocturno enquanto vivia, e hoje o sustento da minha família é garantido pela minha mãe, ela vende no mercado grossista de Zimpeto. Meus pais não puderam oferecer-me uma boa infância, nem a mim e nem os meus irmãos. Nunca tinha o que eu desejava!

Mas não foi por isso que não tive uma infância feliz. Meu espírito estava morto e eu não sabia, e logo depois de descobrir que a minha alma já não me pertencia, enterrei os sonhos junto com toda esperança que me restava usando as minhas próprias mãos. E fui crescendo nas mãos do mundo, e a boa educação dos meus pais não foi suficiente para encarar a vida.

Sofri abusos na escola, tive colegas que riam - se das minhas imperfeições e faziam rodas durante o intervalo para gozar da minha roupa, que na verdade era a roupa do meu irmão mais velho. E eles chamavam aquilo de brincadeira. Brincadeira que me enfraquecia o espírito e roubava de mim a baixa auto estima que ainda tinha. Dentro de mim foi se desenvolvendo um sentimento de insegurança, não me sentia uma pessoa atraente, não passava em frente ao espelho e o meu reflexo era o meu maior inimigo.
Eu tinha medo de descobrir que apenas a minha magreza e a manchas que tenho no corpo é que me definem. Tal como todo mundo fazia parecer.
Que culpa eu tenho de ser assim? Porque não posso ser normal, como as outras crianças?
Não conseguia responder a essas perguntas.

Eu nunca pude escolher a minha roupa, e também não tive roupa nova. Meus pais desde cedo ensinaram-nos a partilhar as nossas roupas, pois não havia dinheiro para comprar roupa para todos.Era a única menina, e a maioria das vezes tinha de usar roupas dos meus irmãos para ir a escola. E na escola todos gozavam comigo.

- Maria Rapaz!-Era o que todos murmuravam pelos corredores.

Todos os dias atraía olhares de pena, e gargalhadas ensurdecedoras das crianças da minha idade. Eu cresci e não conseguia falar com ninguém sobre como me sentia.
Os meus pais estavam ocupados a procurar dinheiro para garantir o nosso sustento. Eles não estavam abertos, para ouvir os devaneios de uma adolescente que todos os dias realizava o enterro de si mesma. A Karen era a minha melhor amiga e achava que o álcool resolvia todos os problemas,mas desta dor eu não consegui livrar-me nem com quantidades astronómicas de cerveja. Após bebedeiras e bebedeiras, eu me sentia um saco de ossos deambulando pelas ruas que clamava pela morte. Era uma dor incessante da alma e deixava-me cada vez menos imune a pensamentos suicidas.

E por essas e outras razões, no silêncio da noite eu chorava incessantemente. Depois eu fingia que estava tudo bem. Porque era assim que eu fui ensinada pelos meus pais. Devíamos sorrir sempre e aparentar estar feliz.
Mas não estava.

E então hoje, decidi tomar uma decisão que me vai libertar desse calvário. Já pensei em morrer várias vezes. Havia momentos, que desejava que um carro atropelasse-me para que eu não tivesse que planear a minha própria morte.
Confesso que não fui forte o suficiente para fazer com que as piadas terminassem. Esta ferida não cicatrizada, fez com que eu procurasse por aceitação externa e não consegui  conviver com esse sentimento de rejeição.

Quando o meu corpo for descoberto, eu sei que as pessoas vão chamar-me de egoísta. Que eu não devia dar essa tristeza a minha mãe. Mas eu sinto que morrer, vai trazer o alívio que eu procurei durante toda a adolescência. Que o sentimento de rejeição e a depressão afundarão juntamente com o meu corpo, nas águas da armadura dessa vida que  foi difícil de viver.

E espero que  consigas encontrar o sentido para a tua vida, eu não consegui. Mas já é tarde para mim, pois já se realizou a cerimónia do 8°dia.

Não seja mais um número na estatística!
 Assinado: Anastácia

 e Jeuu

Photo  Credits : African Wonderlust

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