Roubaram-lhe a vida

05:55





Deu-se certa vez,cuja data não estou lembrado.Foi quando minha avó cessou de viver,no seu funeral,o último em que participei nas arrabaldes de Alvor.
Desde os tempos remotos a morte tem visitado continuamente as criaturas Divinas, por isso, levava a crença de que ela já se tinha familiarizado com os humanos. Porém, as sudecencias do funeral supracitado forçaram-me a abandonar essa crença.
Foi assim: Antes que o caixão fosse depositado na terra, meu velho pai amargurado narrou no meu ouvido os feitos memoráveis da sua idosa mãe. Com ênfase revelou uma antiga confidência que fora-lhe confiada pelo seu avô: "Tinha se chorado demasiadamente após o parto daquela que era e agora despedida ." A razão era clara e perceptível: A minha avó tinha nascido com escassez de sentidos, faltavam-lhe as orelhas e sofria de presbiopia. Sua mãe (minha bisavó) quase matava-se de tristeza, deitou lágrimas que seriam capazes de fazer nascer um rio e nele se afogar,foram inúmeras noites de demasiado pranto.
Passados três anos,nasceram-lhe as orelhas e a vista restaurava-se.A menina escutava e distinguia devidamente os objetos. Magna jocosidade que palavras se esgotariam na tentativa de descreve-la,alegria plena,minha bisavô nunca mais deitou lágrima alguma pela filha.

A menina crescia e ganhava normalidade.
Perdoem o desvio,regresso agora a narração inicial. Entoavam-se os últimos cantos que acompanham o caixão ao lugar preparado,quando um familiar que o desconhecia pediu pronunciamento. Meus tios olharam-se na cogitação da anuência, pouco depois o mais antigo,meio ababelado autorizou o pronunciamento.
O pedinte proferiu insperáveis ditos, o que ninguém ousou imaginar. Frio e sombrio afirmou com categoria que um dos filhos da senhora que morrera tirou-lha vida.
Os ouvintes esbanjaram balbucios e murmúrios. O homem continuou se explicando:Roubaram-lhe a vida, a sua morte é injusta.Seguindo, dirigiu-se impávido aos meus tios: "Um de vós deixou-la morrer,cansastes de lhe conceder cuidados.

Valia-vos uma mãe doentia que nenhuma,uma mãe é o reflexo de Maria, a mãe de Cristo,indubitavelmente tereis saudades dos seus afagos."
A multidão aparentava manter-se céptica,porém, espantada. Todos olhos estavam postos no acusador.Fechando disse em rogo: "Que Deus lhe devolva o viver terreno."
Estava falado, pasmo nas pessoas. Todos aguardavam a reacção justa dos acusados. Esperança cumprida. O mesmo tio que concedeu-lhe o falar, proferiu as seguintes palavras: "Perdoem todos os filhos da mãe Laura, pelas palavras deste inocente homem que as proferiu, falo curtamente para poupar-vos os ouvidos já saturados. É assim: A minha e nossa mãe nasceu sem orelhas e presbiopa,mas este homem nasceu macrocefalo e sem cérebro, não goza da sua sanidade mental, não fala o que sabe.Perdão!"
Todos puseram-se em risos.Caos no cemitério,não vi quem não tenha rido.
Foi mesmo assim, no nascimento da minha avó chorou-se e no seu funeral houve quem não riu.Nascimento chorado, morte repleta de risos.
Rindo ainda a multidão, o caixão era lançado ao seu eterno jazigo...
Assistia pela primeira vez um funeral alegre. Me acreditei nas palavras de um sacerdote: "Actualmente a morte perdeu choros, o mundo está super moderno."



Autor


: Osvaldo dos Anjos Estudante,poeta , ficcionista . Também contador de estórias, próximas e distantes da realidade.

You Might Also Like

0 comentários

O seu comentário é muito importante e motiva-nos.
Comente e responderemos com carinho ❤.